Ser
a morte não é algo fácil nem divertido. Tenho que acordar cedo todos os dias
pra fazer meu trabalho que por sinal é muito cansativo. Se fosse só isso eu
tirava de letra, o problema é que as pessoas não gostam de mim.
Se
estou passeando na rua e alguém me vê ela atravessa para o outro lado e foge de
mim. Se estou doente e preciso ir no hospital a coisa piora ainda mais. Da
última vez foi uma correria de médicos e enfermeiros par todo lado. Entrei com
problemas na garganta e saí com uma crise de labirintite. Nem meu cachorrinho
posso levar para passear. Se me lembro bem a última vez que ele saiu foi no
sec. XIV. As pessoas ficaram loucas com aquilo. Coitadinho né, até hoje o Peste
Negra tem medo de pessoas.
Todo
dia quando acordo vou até a varanda pra tomar um banho de Sol. Entretanto não
posso ficar lá por muito tempo por que meus vizinhos ficam me encarando e sou
obrigada a me retirar. Estou a oito séculos tentando me bronzear e não consigo.
Assim fica difícil arranjar homem, afinal, que vai gostar de alguém branco como
um fantasma?
Depois
de me vestir apropriadamente já começo a pegar no batente. Todo dia tenho que
visitar muitas pessoas. Minha agenda vive sempre lotada e mal tenho tempo de
respirar. O primeiro felizardo a receber minha ilustre visita era um mendigo
dos EUA. Esse até que foi fácil de achar, ele estava bisbilhotando uma mansão
enorme. O problema que o dono da mansão apareceu bem na minha frente. Ele
começou a gritar e saiu correndo de volta para sua mansão, onde acabou
empacotando. Se não me engano seu nome era alguma coisa Jackson, acho que
Malcon.
Depois
desse serviço, tive que ir para o para a Palestina. Para fazer isso, resolvi
pegar um avião de luxo, entretanto, quando vi os preços, acabei indo de classe
econômica mesmo. O serviço que já era normalmente horrível acabou ficando ainda
pior. As aeromoças não vieram atender minhas chamadas. Eu só queria um remédio
para dor de cabeça...
Chegando
lá, estava acontecendo uma pequena revolta. Bombas estavam explodindo por todos
os lados. Você sabe como é ruim correr por duas horas fugindo de bombas e de
pessoas armadas num calor de quarenta graus usando apenas roupas pretas?
Depois
desse trabalho, resolvi dar uma passadinha na Europa para almoçar. Escolhi ir
para a França, o país que disseminou a ideia de que comer ovo com carne crua,
lesma e queijo vencido era algo chique. Infelizmente, ou não, não tinha
dinheiro para comer esse tipo de comida. A entrada foi um sorvete de morango e
o prato quente foi um crepe de frango.
Com
o passar do dia, fui ficando cada vez mais cansada. Já eram quase oito da noite
e ainda não havia acabado minhas visitas. Faltava um cara do Egito. Seu nome
era muito engraçado: Hosni Mubarak. Estava morta, então resolvi deixar para
visitá-lo outro dia. Quer dizer, até parece que uma pessoa pode fazer tanta
diferença assim no mundo não é mesmo?
De
volta para o aconchego do lar, ligo a TV e assisto um pouco de novela enquanto
faxino a casa e cuido das minhas plantas. Tinha um enorme carinho pela minha
coleção premiada de palmas e crisântemos.
Depois
de toda essa trabalheira, resolvo não cozinhar. Pego o telefone e preço uma
pizza metade alho metade portuguesa. Passando-se quinze minutos, o entregador
bate na minha porta. Só nessas vezes é que vale a pena ser a morte. Quando ele
me viu se borrou todo e saiu correndo, deixando a pizza e esquecendo-se de
pegar o pagamento.
Após
a janta, tomo um bom banho cheio de espuma e me prepara para dormir e para o
próximo dia de trabalho.