terça-feira, 26 de junho de 2012

Um dia da morte


Ser a morte não é algo fácil nem divertido. Tenho que acordar cedo todos os dias pra fazer meu trabalho que por sinal é muito cansativo. Se fosse só isso eu tirava de letra, o problema é que as pessoas não gostam de mim.
Se estou passeando na rua e alguém me vê ela atravessa para o outro lado e foge de mim. Se estou doente e preciso ir no hospital a coisa piora ainda mais. Da última vez foi uma correria de médicos e enfermeiros par todo lado. Entrei com problemas na garganta e saí com uma crise de labirintite. Nem meu cachorrinho posso levar para passear. Se me lembro bem a última vez que ele saiu foi no sec. XIV. As pessoas ficaram loucas com aquilo. Coitadinho né, até hoje o Peste Negra tem medo de pessoas.
Todo dia quando acordo vou até a varanda pra tomar um banho de Sol. Entretanto não posso ficar lá por muito tempo por que meus vizinhos ficam me encarando e sou obrigada a me retirar. Estou a oito séculos tentando me bronzear e não consigo. Assim fica difícil arranjar homem, afinal, que vai gostar de alguém branco como um fantasma?
Depois de me vestir apropriadamente já começo a pegar no batente. Todo dia tenho que visitar muitas pessoas. Minha agenda vive sempre lotada e mal tenho tempo de respirar. O primeiro felizardo a receber minha ilustre visita era um mendigo dos EUA. Esse até que foi fácil de achar, ele estava bisbilhotando uma mansão enorme. O problema que o dono da mansão apareceu bem na minha frente. Ele começou a gritar e saiu correndo de volta para sua mansão, onde acabou empacotando. Se não me engano seu nome era alguma coisa Jackson, acho que Malcon.
Depois desse serviço, tive que ir para o para a Palestina. Para fazer isso, resolvi pegar um avião de luxo, entretanto, quando vi os preços, acabei indo de classe econômica mesmo. O serviço que já era normalmente horrível acabou ficando ainda pior. As aeromoças não vieram atender minhas chamadas. Eu só queria um remédio para dor de cabeça...
Chegando lá, estava acontecendo uma pequena revolta. Bombas estavam explodindo por todos os lados. Você sabe como é ruim correr por duas horas fugindo de bombas e de pessoas armadas num calor de quarenta graus usando apenas roupas pretas?
Depois desse trabalho, resolvi dar uma passadinha na Europa para almoçar. Escolhi ir para a França, o país que disseminou a ideia de que comer ovo com carne crua, lesma e queijo vencido era algo chique. Infelizmente, ou não, não tinha dinheiro para comer esse tipo de comida. A entrada foi um sorvete de morango e o prato quente foi um crepe de frango.
Com o passar do dia, fui ficando cada vez mais cansada. Já eram quase oito da noite e ainda não havia acabado minhas visitas. Faltava um cara do Egito. Seu nome era muito engraçado: Hosni Mubarak. Estava morta, então resolvi deixar para visitá-lo outro dia. Quer dizer, até parece que uma pessoa pode fazer tanta diferença assim no mundo não é mesmo?
De volta para o aconchego do lar, ligo a TV e assisto um pouco de novela enquanto faxino a casa e cuido das minhas plantas. Tinha um enorme carinho pela minha coleção premiada de palmas e crisântemos.
Depois de toda essa trabalheira, resolvo não cozinhar. Pego o telefone e preço uma pizza metade alho metade portuguesa. Passando-se quinze minutos, o entregador bate na minha porta. Só nessas vezes é que vale a pena ser a morte. Quando ele me viu se borrou todo e saiu correndo, deixando a pizza e esquecendo-se de pegar o pagamento.
Após a janta, tomo um bom banho cheio de espuma e me prepara para dormir e para o próximo dia de trabalho.